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quinta-feira, 31 de março de 2011

Chama Acesa


- Seu troco! Obrigada e volte sempre!
- Puxa, que distração a minha! Vim para comprar uma vela, acabei comprando metade do supermercado e já estava esquecendo a vela… Vou buscá-la…
- Fique à vontade!
- Deixe-me ver… Acho melhor levar um maço inteiro. O que você acha, mocinha?
- Eu?!
- Deixe pra lá! Já decidi! Vou levar uma vela de sete dias! Ponha na minha conta!
***

Vinte minutos depois:
- Viu só, meu Santinho querido!? Aqui está a vela que eu lhe prometera. Vou acender… Pronto! Hã?? Ah, eu não havia prometido nada?! Pois estou prometendo agora… Ai, meu Santinho, faz o Maurão se apaixonar por mim… Como “que Maurão”?! O Maurão… Aquele “morenaço” de dois metros… Ah, eu sabia que o Senhor se lembraria! Eu preciso muito da sua ajuda para conquistar o Maurão… Eu jurei pra Samanta que roubaria o Maurão dela… Sabe como é... Jurar em falso é pecado e eu detesto o calor… Não me acostumaria com o inferno… O quê? Ah, roubar também é pecado?! Tem razão, Santinho, mas ninguém é de ferro, não é mesmo?! Ah, me ajuda, vá… Não lhe custa nada…
Dlim, dlom…
- Essa não! Eu não vou parar agora! E aí, Santinho, vai ou não vai me ajudar a conquistar o Maurão? Ainda não sabe??
Dlim, dlom…
- Mas que coisa! Esta campainha outra vez! Dá licença, Santinho, que eu volto já… Quem é?
- Sou eu!
- Eu quem?
- Como “quem”?! O Maurão!
- O Maurão?! Ah, eu sabia, Santinho! O Senhor não iria me abandonar… Que eficiência, hem!? Gostei de ver! Vou apagar a vela para economizar... Digo... Pra ele não perceber nada, tá!?
***

Três meses depois:
- O que está acontecendo aqui?
- Ô, Maurão, então você não se lembra?
- Não me lembro do quê? Por acaso esqueci de pagar a conta da luz?
- Não, Maurão, é um jantar à luz de velas…
- Velas?! Mas eu só estou vendo uma única vela…
- É um jantar à luz de vela, pronto!
- Pra quê, hem?
- Como “pra quê”?! Pra comemorar nossos dois meses de casados…
- Eu sabia… Eu sabia! Estava apenas lhe testando.
- Sei…
- E precisa de toda esta frescura? Nem cozinhar direito você sabe!
- Pois saiba que meu jantar à luz de vela não é nenhuma frescura! Passei a tarde toda no fogão.
- Que perda de tempo…
- Como assim?
- Tanto tempo pra preparar “isto”! Ah, que falta faz a minha mãe… Aquela sim sabe preparar um jantar como ninguém… Com vela ou sem vela!
- Maurão, por que você não se casou com a sua mãe, então?
- Porque ela já era casada com o meu pai…
- Coma e cale a boca, antes que eu faça você engolir a vela!
- Talvez a vela tenha um gosto melhor do que “isto” que você chama de jantar… Por falar em vela, não tinha uma vela melhor, não?
- Não, Maurão! E acabou o jantar, e acabou a luz da vela!
- Ei, aonde você vai com a comida?
- Vá comer na casa da bruaca velha da sua mãe!
- Tá bem… Mas veja se pelo menos você acende a luz porque eu não estou conseguindo achar a chave do carro.
***

Quatro meses depois:
- Parabéns pra você… Nesta data querida… E pro Maurão: nada?! Tudo!! Então como é que é? É pique! É pique! É pique! É pique; é pique; é pique! Viva o Mau… Que foi, hem, Maurão? Não gostou do bolo que eu fiz?
- Gostei, né... Já que não tem coisa melhor…
Ela faz cara de “Então?”. Ele parece que entende a cara dela:
- Então que, até hoje, meu aniversário sempre teve um bolo da minha mãe…
Ela faz cara de “E daí?”. Ele parece que novamente entende a cara dela:
- E daí que sempre teve pelo menos uma vela no bolo… Você entende, não é!?
Ela faz primeiro a cara de “Mas que bobalhão… Então era isso…” e depois faz a cara de “Vou dar um jeitinho nisso”. Ele entende e faz primeiro a cara de “Bobalhão é a…!”, e depois a cara de “O que será que ela vai fazer?”.
- Pronto, Maurão! Aqui tem uma vela pra você! Parabéns pro Maurão; nesta data queri… O que foi agora? Que cara é essa?
- Puxa vida! Você nem pra comprar uma vela pra comemorar o aniversário do seu marido… Esta vela está usada! Aliás, é a segunda vez…
- Terceira!
- Tem certeza?
- Absoluta!
- Que seja! É a terceira vez que você acende esta mesma vela… Assim não dá… Minha mãe nunca deixou…
- Acho melhor você parar de falar na bruaca velha da sua mãe e apagar logo esta droga de vela, que eu estou perdendo minha paciência com você!
- Está bem… Está bem… Mas, pelo menos, veja se não desafina na hora de cantar parabéns!
- Apague a vela logo, antes que eu enfie o bolo na sua cara!
***

Seis meses depois:
- O que vamos comemorar hoje?
- Por que, Maurão?
- Está tudo escuro. Não consigo ver nada! Não é outro daqueles seus jantares à luz de vela, é?
- Não! Desta vez você esqueceu-se de pagar a conta da luz!
- Tem certeza?
- Tenho…
- Mas que coisa, não!?
- Não fique aí parado, Maurão! A vela está na gaveta da cômoda.
- E?
- Vá pegá-la!
- Mas eu não consigo ver nada…
- Azar é o seu! Não se esqueceu de pagar a conta?! Agora procure a vela…
- Tudo eu… Tudo eu! Mas que droga… Onde está aquela maldita vela? Minha mãe sempre anda com uma vela no bolso…
- Maurão, eu não sou a bruaca velha da sua mãe…
- Eu sei! Que pena… Ah! Achei a maldita vela!
- Agora vá pegar o fósforo!
- Você deve estar brincando…
- Está lá na cozinha!
- Mas eu mal conheço a cozinha!
- E eu com isso?
- Maldição! Ai! Tum… Ui! Achei! Ah, agora está bem melhor…
- Por que você não trouxe a caixa de fósforos?
- Porque eu usei o último palito!
- Quer dizer que se a vela apagar, não teremos como acendê-la novamente?
- Exato! A… A… A…
- Não, Maurão! Não faça iss…
- Atchimmm!!!
- Eu sabia que você iria aprontar das suas, Maurão…
- Eu sou alérgico a este seu perfume barato!
- Foi você quem me deu esse perfume de presente, lembra?! E agora, Maurão?
- A culpa é toda sua… Minha mãe nunca deixou faltar fósforos em casa.
- Sabe, Maurão, eu estava pensando… Você tem muita sorte por eu não estar enxergando absolutamente nada.
- Ah, é?! Por quê?
- Porque senão eu iria agora mesmo lhe quebrar um vaso nesta sua cabeça estúpida!
- Ah…
***

Oito meses depois:
- Quer fazer a gentileza de sair de cima do meu pé?
- Esse aí é o seu pé?
- Claro, seu imbecil!
- Ah, eu pensei que fosse o tapete…
- Pare de falar e procure uma vela em alguma gaveta!
- Ué, não viemos roubar dinheiro e jóias?
- Viemos, imbecil! Mas já que você fez o favor de se esquecer de trazer a lanterna, precisamos de uma vela pra poder ver alguma coisa.
- Ah, bom! Você é esperto mesmo…
- Agora procure! Vá…
- Cicatriz?
- O que foi desta vez, imbecil?
- Não estou vendo nada…
- Grande novidade!
- Posso acender a luz pra procurar a tal vela?
- Claro que não, imbecil!
- Ora, e por que não?
- Porque eu sou alérgico à luz elétrica, imbecil!
- Puxa! Amigos há tanto tempo e só agora você me fala isso…
- Quer ficar quieto e procurar a maldita vela?

- Maurão?
- Hum…
- Ô, Maurão! Não tá ouvindo?
- Hum?
- Tem alguém na sala…
- Hum…
- Quer tirar essa sua cara de palerma do travesseiro e prestar atenção?! E se for um ladrão?
- Hum?? O quê??
- Psiu! Fale baixo! Um ladrão…
- Você não está querendo que eu vá até lá, não é?! Minha mãe…
- Pode deixar, panaca! Eu vou!
- Hum...

- Que droga de marido eu fui arru...? Mas o que significa isto aqui?
- Xi, Cicatriz! Ela acendeu a luz!
- Quieto, imbecil! Aí, dona, isto aqui é um assalto! Uma palavra e eu meto bala!
- Posso dizer só uma coisa?
- O que foi, dona?
- Já que acendi a luz, que tal você apagar a minha vela?
- Tem razão, dona!
- Mas e sua alergia, Cicatriz? Ela acendeu a luz...
- Já mandei você ficar quieto, imbecil! Mais uma palavra, dona, e eu meto bala!
- Mas o que está acontecendo aí? Por que você não vem dormir e pára com tanto barulho? Amanhã eu tenho que acordar cedo e…
- Psiuuuu… Maurão!
- Psiu, por quê? Será que eu não posso falar nem na minha própria casa?! Mas em que mundo nós esta…
- Aí, amigo, isto é um assalto! Mais uma palavra e eu meto bala!
- AAAAAAH! Socoooorro! Mamãe! Polí…
Pum!
***

Cinco horas depois:
(Suspiro…). (Outro suspiro…). (Mais um suspiro…). “O Maurão tinha que abrir a boca?! Pobre, Maurão… Pobre da bruaca velha da mãe do Maurão… Pobre de mim…” (Suspiro outra vez…). “Espere aí! Eu nem amava mais aquele panaca mesmo… Estou livre! Livre! Livre… Que maravilha! Melhor eu ir ao velório, senão o que as pessoas poderão pensar de mim?! Onde está mesmo a minha vela? Ah, aqui está ela! A Samanta vai morrer de inveja quando me vir ao lado do caixão do Maurão com uma vela na mão!”
No velório:
“Ah… Olhe só o Maurão com a mesma cara de palerma de sempre… Aquele sorriso bobo… E eu aqui queimando minha vela à toa com ele! Que desperdício! Ei! O que será de mim se minha vela acabar?! Ainda faltam três centímetros e meio para derreter… Eu ainda poderia acendê-la pela... Pela... Deixe-me ver... Pela sétima vez! Este pedacinho é suficiente para conversar com meu Santinho, afinal, eu não resisto ao charme do Pedrão… Acho que ninguém vai perceber se eu apagar a vela agora… É um, é dois e é três:”
- Fuuuuuuu…

terça-feira, 22 de março de 2011

O que nos falta...

Imaginação

- Hum… Finalmente a hora mais esperada do dia! Tudo está perfeito! Hum… Que aroma incrível! Que venha o meu jantar! Mal posso esperar para saber qual o menu… Magnífico, aí vem o garçom todo elegante, flutuando em passos leves, sorrindo amigavelmente, trazendo a minha deliciosa refeição. Boa noite, nobre rapaz! Deixe-a aqui! Assim está ótimo, muito obrigado, senhor! Oh, não… Não preciso de mais nada, está tudo muito bom, agradeço… Ah, sim, qualquer coisa que precise, não hesitarei em chamá-lo… Até logo… Hum… Que maravilhosa surpresa: arroz, feijão, purê de batatas, filé mignon, salada mista! Que banquete! O que mais um cavalheiro como eu poderia querer?! Comida saudável, quente, caseira… Isto me faz lembrar mamãe… Arroz soltinho, feijão muito bem temperado, purê cremoso, carne de primeiríssima qualidade, salada fresca, toda família sentada na grande mesa de jantar… Que saudade daquele tempo! Ah! Isto é que é vida: um jantar de verdade! Hum… Comida boa em um local magnífico: talheres de prata, louça importada do século passado, cristais reluzentes, tudo muito luxuoso, toalhas de renda, guardanapos de puro linho engomados, cortinas suntuosas, cadeiras aveludadas, música clássica, convidados elegantemente trajados, impecáveis…
- Não se esqueça: à luz de velas!
- Bravo, meu caro! Luz de velas, um cálice de vinho… Um brinde! Ah! Que delícia! Hum… Que sabor! Não existe nada mais saboroso em todo o mundo. E ainda por cima num ambiente tão agradável como este, com uma linda vista, a natureza ao redor… Sinto-me como um verdadeiro rei!
- Xiiii… A coisa parece mais séria do que eu imaginava…
- Silêncio, cavalheiro! Ainda não terminei meu maravilhoso jantar; não me aborreça, sim?! Hum… Hum… Hum… Deixe-me ver o que temos aqui… Hummmmm… Que beleza! Minha sobremesa favorita! Parece que nossos anfitriões adivinharam o quanto eu adoro uma boa salada de frutas. Novamente, recordo-me… Que saudade de mamãe! Salada de frutas era sua especialidade. Lembro-me como se fosse hoje: "Você não é capaz de adivinhar o que eu fiz para o meu garoto!". Ah, eu já sabia: uma bela salada de frutas feita com todo carinho por suas mãos de fada… Mas, lembranças à parte, vamos provar essa maravilha. Hum… Deliciosa! Estupenda! Ai, ai… Sinto-me satisfeito! E feliz, sobretudo! Isto é o que se pode chamar de um jantar magnífico para um homem magnífico!
- Homem magnífico, um mequetrefe feito você?! Era só o que me faltava! Você só pode estar brincando… Como você pode chamar essa droga de comida fria, queimada e requentada de jantar magnífico?!
- Vou ignorar esse seu comentário inconveniente…
- Arroz empapado, feijão duro como pedra, batata amassada, verdura murcha, mísero pedaço de carne de terceira sem gosto…
- Não insulte nosso jantar! É muita deselegância de sua parte, meu caro!
- E tem coragem de chamar essa água suja de vinho?! E aquele selvagem de nobre rapaz?! E chama a tal banana passada de salada de frutas?! Só na sua cabeça! Onde já se viu uma marmita toda amassada e furada ser chamada de louça importada do século passado!? Ora, faça-me o favor!
- Hã-ham… Você não está sendo nada gentil, cavalheiro…
- Cavalheiro?! Um assaltante de bancos feito eu?! É muita cara-de-pau sua chamar essa cela fedorenta de ambiente tão agradável! Acho que esses dez anos de cadeia fizeram muito mal a você…
- Você é um chato!
- E você é um maluco! Você precisa urgentemente de um…
- Psiu! Eu preciso de um bom café para terminar de forma brilhante este meu jantar esplêndido!
- Se continuar assim, vai acabar tendo que usar uma camisa-de-força!
- Que tal você usar um pouco a sua marmita de pensamentos?! Não percebe a nobreza deste momento fantástico?
- Não resta dúvidas: você precisa de um médico!
- É você quem precisa apenas de um pouco de imaginação, cavalheiro…

sexta-feira, 4 de março de 2011

Assim é a vida...

Depois de morto

No velório...
- Ai, ai... Como são as coisas, não? Outro dia mesmo estava vivo... Tão jovem...
- Que jovem, o quê?! Tinha mais de oitenta anos!
- Você fala como se fosse muito. Ai, ai... Como é possível a morte chegar assim tão de repente...
- De repente?! Ele já estava doente havia pelo menos dois anos!
- Ai, ai... Um morto com uma aparência tão saudável...
- Você só pode estar brincando! A doença acabou com ele; nunca vi um defunto tão esquelético. Veja só: pele e osso.
- Pobre homem...
- Pobre, uma ova! Morreu rasgando dinheiro de tanto que tinha!
- Como ficará a família agora? Que perda terrível! Sinto tanta pena...
- Que nada! Você deveria sentir pena de nós! A mulher e os filhos não viam a hora de ele bater as botas só pra botarem as mãos na fortuna do velho. Dá pra ver na cara deles; estão disfarçando pra não caírem na gargalhada. Acham que o dito foi tarde demais!
- Verdade?
- Juro por esses olhos que a terra há de comer!
- Ai... Que tristeza! O cabra desencarnou e nós perdemos um grande amigo...
- Grande amigo?! Só se for seu grande amigo! Pra mim ele devia uma grana preta! Aquele sovina de uma figa!
- Que coincidência! Morreu sem me pagar também...
- E com todo dinheiro que tinha! Pão-duro! Safado! Antes de enriquecer, precisava da gente pra tudo...
- Calma... O homem acabou de passar desta pra melhor... Respeite o cadáver do coitado.
- Coitado?! Sei... Depois de morto todo mundo vira santo!
- Você acha que ele vai pro céu então?
- Só se o inferno mudou de nome e ninguém me avisou!
- De conversa ele era bom; você não pode negar.
- Bom de passar conversa nos outros, isso sim!
- Era um grande homem...
- Tá louco?! Esse nanico?!
- Quero dizer que era um bom sujeito.
- Bom sujeito?! Um assaltante de bancos do calibre dele?!
- Pelo menos, numa coisa você tem que concordar comigo: ele era um bom ladrão de bancos!
- Ah, isso eu sou obrigado a reconhecer; um bom ladrão ele era! O melhor que eu já conheci!
- O melhor! Bom, mas bom mesmo!
- Muito bom!
- Bom demais!
- Um viva para ele!
- Viva!
- Ai, ai...
- Ai, ai... Como era bom!
- Bom...
- Vou sentir falta dele.
- Ai... Eu também...
- Que descanse em paz!
- Amém!